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Quando decidi começar a trabalhar na área da sexualidade e do erotismo, principalmente na sua representação artística e ficcional, a questão que mais me foi colocada foi a questão da nudez. Quem trabalhava comigo perguntava sempre à priori se o trabalho iria implicar nudez, e quem via o meu trabalho perguntava-me à posteriori se a nudez apresentada era o meu principal objectivo. As questões sobressaltavam-me. A primeira porque me deixava na dúvida se as pessoas associavam à partida a nudez com o erotismo, e a segunda porque me deixava na dúvida se as pessoas apenas viam o erotismo como resultado da nudez. Mas como todos os livros técnicos sobre o corpo humano, que apresentam imagens de corpos nus, podem comprovar, não é (apenas) da nudez que vem o erotismo nem vice-versa.

No meu entendimento do erotismo, o que pode provocar desejo sexual em alguém pode ser literalmente tudo. A carga erótica do universo, da natureza e até mesmo dos objectos está embutido, não nessas manifestações concretas, mas na forma como o nosso cérebro as percepciona, transforma e reage perante elas. Daí o campo do erotismo ser muito mais amplo, e sem comparação possível, ao acto de estar nu.

Realidade vs Imaginação

Lembro-me várias vezes de, numa das minhas primeiras aulas de História de Arte, um professor ter mostrado uma imagem de uma estátua grega. A estátua era de uma mulher, com um dos seios tapado e outro destapado. E ter perguntado aos alunos, naquela altura pequenas bolas de hormonas em constante expansão, o que achavam daquela imagem. Seria erótica ou não seria erótica. Muitos acharam que era obviamente erótica, porque não era todos os dias que se via um seio destapado. Mas perante as pupilas dilatadas dos jovens estudantes, o professor colocou outra questão: se erotismo é apenas aquilo que se vê, para que serve a nossa imaginação? E essa para mim foi, sem dúvida, a questão.

As imaginação é um reino sem fronteiras, nem regras, nem leis. Tanto o mundo real, como a própria nudez, tem os seus limites bem definidos. Nada mais podemos fazer do que o concreto. Mas no mundo da imaginação, tudo é possível. Incluindo sentir desejo por coisas que na realidade são proibidas, estão fora do nosso alcance ou são simplesmente impossíveis de concretizar. E sendo a ficção uma representação da imaginação, esse é o caminho que realmente propõe desafios interessantes.

Não cabe, no entanto, a um artista representar todos os universos imagéticos, até porque essa é e será sempre uma tarefa inglória. O valor de um artista está na forma como consegue abrir as janelas da imaginação de cada um de nós, propondo, mais do que certezas, possibilidades. Porque é de possibilidades que os sonhos, a magia, a fantasia e as utopias são feitas. Porque é nesse universo infinito que vivem também todas as emoções. As emoções, tal como a imaginação, não têm limites. E é nas interligações entre ambas que reside o erotismo.

Implícito vs Explícito

Um dia perguntei a uma rapariga que costuma fazer fotografias nua se gostaria de trabalhar comigo. A resposta foi “não porque eu não faço trabalhos eróticos”. Foi curiosa a resposta porque fiquei sem perceber se ela não sabia que o trabalho dela também podia ser considerado erótico, ou se ela realmente sabia a diferença entre as duas coisas. E do ponto de vista de um modelo, é importante saber distinguir as duas coisas. O que distingue um trabalho de nu artístico de um trabalho erótico não é, como expliquei, a nudez. No entanto, a nudez é muitas vezes conotada como erótica pelo espectador, e por isso é impossível ao modelo definir se o resultado do seu trabalho será conotado como erótico ou não. O que depende do modelo é sim o seu contexto mental. Para um modelo fazer um trabalho erótico, mesmo que completamente vestido, tem de ser um acto intencional. Enquanto um nu artístico é muitas vezes apenas uma objectificação estética do corpo, o erotismo é, acima de tudo, a humanização do desejo. Sem vida não há erotismo. Sem pensamento não há erotismo. Sem emoções não há erotismo. O erotismo é a criação do desejo. E para haver desejo tem de haver intenção.

Quando trabalhei 5 anos na indústria pornográfica, percebi perfeitamente esta diferença. A nudez era constante e o desejo era inexistente ou, pior do que isso, mal representado. Sem contexto e muitas vezes sem intenção, a pornografia vive sobretudo do hipnotismo do hipotálamo. Com pouco esforço, o seu único propósito é criar uma reação no inconsciente que desperte as nossas mais básicas necessidades fisiológicas. Com o cérebro inundado de hormonas recompensadoras, não perdemos tempo a pensar, a imaginar, a fantasiar e muito menos a criar o nosso próprio universo de prazer e desejo. É a lei do fast-food e de todas as suas contrapartidas que, boas ou más, no quotidiano actual são quase sempre irrelevantes para quem apenas procura a gratificação imediata.

Após essa experiência, percebi que a pornografia, tal como o nu artístico, não eram o que pretendia fazer. Sexo sem contexto é vazio, volátil, deprimente. São precisas histórias. Histórias pessoais, íntimas, humanas e positivas, que excitem, que estimulem mas que, acima de tudo, possibilitem outras histórias.

No tempo que dedico a ler os livros científicos sobre sexualidade e a falar com as pessoas que me abordam com as suas questões íntimas, melhor percebo que a libido humana é muito mais do que apenas um espectro de cinquenta tons de cinzento, é um arco-íris de infinitas cores, que diferem da noite para o dia e de pessoa para pessoa, moldadas pelo tempo e pelas experiências. São universos individuais e em constante evolução, feitos de particularidades mas acima de tudo de convergências. Apesar das suas especificidades, a procura do prazer e da intimidade é algo que provoca uma aproximação e uma ligação entre as pessoas. 

E é nessa procura que vive o meu erotismo.

Para que seja sempre um prazer