A intimidade da intimidade

Quem somos nós com os outros? Em que nos tornamos? De que forma transcendemos o que nos define para nos redefinirmos com alguém? Os níveis de contacto são vários. Da solidão à intimidade, da imensidão do vazio à imensidão da clausura, inúmeras são as formas de nos darmos com os outros, para os outros, aos outros. Consoante as ligações que criamos, os pontos comuns, as âncoras de interesse, as mutações que sofremos em conjunto, o crescimento, a aprendizagem, a abertura da consciência, da inteligência, das emoções, das sensações, do espírito, do ser… consoante a descoberta de novas visões do mundo por olhares que nos fascinam, maior será a nossa predisposição para nos permitirmos à intimidade.

E essa intimidade também tem várias nuances.

Um momento íntimo pode nada ter a ver com intimidade. O sexo pode ser um momento íntimo que não implica necessariamente a criação de uma intimidade. O sexo pode apenas resultar de um desejo absoluto de procura de prazer, de curiosidade, de disponibilidade, da vontade de uma experiência ou da partilha de uma vivência. O sexo, apesar de íntimo por implicar um contacto mais próximo entre as pessoas, pode ser tão útil pela sua veleidade como será pela sua profundidade. Tal como existe o desejo que provém do âmago, animal, visceral, pleno, há também o desejo à flor da pele, que incendeia almas e que cria impetuosidades impulsionadas simplesmente por contextos circunstanciais e, acima de tudo, consensuais.

A verdadeira intimidade não acontece, contrói-se. A verdadeira intimidade não significa só entrega física, significa entrega total. O que a intimidade define não é um momento nosso com alguém, é alguém que está em nós a todo o momento. A intimidade gera cumplicidade, que gera afectividade, que gera complementaridade. A intimidade é uma disponibilidade total para nos encontrarmos em nós, para nos encontrarmos em alguém e para encontrarmos essa entidade que nos transcende a todos, que é nós em conjugação com alguém. E obviamente, esse alguém não tem de ser uma só pessoa. A intimidade pode ser criada com várias pessoas, pois na verdade poderemos ser tantas mais versões de nós como aquelas que estivermos disponíveis para descobrir. E é nessa disponibilidade, nessa descoberta, que está a suprema importância da intimidade: a possibilidade de, com os outros, nos podermos tornar cada vez melhores versões de nós próprios.

E de que é feita a intimidade?

.Honestidade – sem verdade não há intimidade

.Partilha – a intimidade vive da vontade intrínseca de partilhar algo com alguém para vivermos cada experiência em sentidos expandidos

.Auto-conhecimento – através da intimidade irmos descobrindo cada vez mais sobre quem somos através do nosso reflexo naqueles que nos nutrem

.Consideração – ter em consideração quem partilha a nossa intimidade, pois também essa pessoa estará a descobrir-se através de nós

.Cumplicidade – quando a intimidade deixa de ser uma palavra e passa a ser um modo de estar

 

Em qualquer relacionamento, a procura, a conquista e a construção de uma intimidade plena depende da capacidade de abertura, disponibilidade e aceitação das pessoas. E a concretização dessa intimidade pode depender de inúmeros factores internos e externos a essa relação. Mas uma vez consolidada, essa intimidade pode ser o elemento mais estimulante de uma relação para que, em conjunto, ela seja maior do que a soma das partes.

in “mulhermusa.com” (2016)