Prazer permitido

Num mundo de prazer proibidos, a que nos permitimos? Raramente sabemos o que vamos sentir em relação a algo até o sentirmos mesmo. Podemos ter inúmeras concepções daquilo que poderemos vir a sentir, mas a verdade é que a realidade do que sentimos e do que vivemos só é real quando se torna concreta. O que acontece muitas vezes, e por inúmeras razões, sobretudo na vivência feminina, é que as mulheres não se permitem sentir genuinamente, sobretudo quando se trata de sentir prazer. Antes de sentir prazer, a feminilidade tem de superar muitos outros sentimentos. E o sentimento de culpa é talvez o maior. Seja por condicionamento social, espiritual, histórico, evolutivo ou primordial, em maior ou menor escala, com maior ou menor preponderância, esse é um obstáculo quase universal ao prazer feminino. E esse obstáculo proveniente de séculos de ostracização, é actualmente, e ironicamente, muitas vezes usado como principal força impulsionadora para uma insustentável superação da vontade. Isto significa que, actualmente, se nota uma vontade maior de superar essa culpa do que uma vontade genuína de desfrutar do prazer. Uma necessidade que muitas vezes provoca um desequilíbrio e uma instabilidade que degeneram noutros obstáculos, como a desconecção emocional, a excessividade inconsequente, a falta de confiança, a solidão e a depressão. Tudo efeitos de procurar o prazer por uma causa em vez de causar a procura do prazer. E os efeitos propagam-se pelos sentidos externos, ao centro racional e ao núcleo emocional, transformando os obstáculos em bloqueios. Bloqueia-se a disponibilidade, a vontade e a receptividade. Anula-se o contacto do interior com o exterior e perde-se o sentimento mais precioso na busca do prazer: o desejo. O desejo de dar e de receber, de sentir e ser sentida, de aceitar o outro e a si mesma. Há uma necessidade enclausurante de segurança que cria uma verdadeira carapaça onde nenhuma emoção positiva consegue penetrar.

E infelizmente muitas mulheres encontram-se actualmente nesse estado. Qual o segredo para as trazer de volta ao mundo vivencial? Confiança.

Adquirir ou recuperar a confiança em si mesma e nos outros é um processo que pode demorar mesmo muito tempo, mas há uma fórmula capaz de provocar resultados concisos. A essa fórmula eu chamo “a lei da compensação”. Ao compensar-se cada acto de entrega, cada abertura emocional ou cada gesto de força com o mesmo nível de receptividade, aceitação e impetuosidade, mais motivação se aplicará no desenvolvimento dessa (re)descoberta de (auto)confiança. Eis algumas ideias para facilitar esse processo:

– Nunca forçar uma decisão. Cada decisão deve ser consensual e consciente.

– Partilhar as dúvidas. A indecisão é uma porta para o (auto)questionamento. As perguntas são sempre mais importantes que as respostas.

– Ser flexível. Alguém inseguro pode arrepender-se das suas decisões logo depois de as tomar. Se houver flexibilidade para voltar atrás é um importante sinal de empatia.

– Ser cúmplice. Antecipar questões, ser atencioso e sobretudo fazer as coisas “com alguém” em vez de fazer “para alguém” é uma postura que gera autonomia no outro em vez de dependência.

– Nunca transformar um prazer numa obrigação. O prazer deve ser desejado. O prazer do prazer, na maior parte das vezes, é a conquista do prazer. E essa conquista faz-se através de uma estimulação que começa no desejo e acaba no êxtase. Tornar isso uma obrigatoriedade é anular o instinto que nos leva a querer algo mais do que aquilo que já temos ou até mesmo a desistir do que já conquistámos.

Na minha experiência, estas são algumas das ideias fundamentais para ajudar alguém a permitir-se voltar a sentir prazer, seja ele de que espécie for. Especificamente ao nível sexual, estas regras são ainda mais determinantes. A falta de cumplicidade e de desejo são as principais causas de ruptura nas relações e a sobre-compensação dessas lacunas com excessos, são a principal causa de solidão, incompreensão e depressão. Por isso, procurar o equilíbrio é sempre a melhor opção, respeitando a cadência emocional de cada um, para que consigamos sentir aquilo que realmente desejamos sentir na nossa vida, em conjunto com alguém que alimente reciprocamente esse sentir.

 

In “mulhermusa.com” (2016)